Manifesto Criativo + Boas Práticas
Em algum momento em 2023, eu escrevi um manifesto e uma lista de boas práticas a seguir para me ajudar a voltar a escrever ficção. A intenção era me desvencilhar do lixo normativo que aprendi na faculdade e que se ensina nas “dicas de escrita” por aí, e encontrar de novo minhas motivações para criar histórias.
Manifesto
Respeite o ciclo vital de suas ideias. Não tente reviver um cadáver, não enterre o que está hibernando. Saiba a diferença.
Estruturas não servem de nada. Foram criadas por homens mortos há séculos e existem por conta de colonialismo e imperialismo. Quebre-as. Pegue o que é útil para você e jogue o resto fora.
Deveres são dogmas. Você não deve colocar nada na sua história porque outros dizem que deve. Não quer escrever sobre um tema, ou sobre um tipo de personagem? Não escreva.
Escreva como ritual. Escolha uma caneta específica, uma intenção antes de escrever. Faça um chá, um alongamento. Deixe a bagagem do mundo fora, entre vazio, encha a página e saia vazio. Esteja no processo. Aproveite a jornada do processo.
Exista. Preencha o espaço de sua criação. Habite o papel. Não tenha o peso do leitor, da tradição, do futuro. Exista agora, e só. Respire. E deixe a história respirar.
Celebre imperfeição. Não conserte as rachaduras, buracos e desvios. Não seja onisciente. Permita a vida imperfeita. Tenha um começo e um fim, e deixe que o meio aflore.
Revisão é cuidado e cultivo. Não é sobre concordância e pontuação, mas sobre semântica, encontrar as palavras certas. Sua história é um bonsai, e a revisão é o cuidado. Um galho por vez. Um novo ritual.
Toda história é realista. Realidade é percepção, desejo e expectativa. Sua história é uma realidade alternativa, e não obedece as estruturas fora da página. Verossimilhança é interno, não externo.
Práticas
Escreva o primeiro rascunho à mão.
Deixe a primeira revisão para pelo menos 7 dias depois do primeiro rascunho, e revise à caneta.
Faça a segunda revisão ao digitar. Deixe o texto de molho por mais 3-5 dias antes de publicar, se publicar. Você pode escolher.
Centre em um personagem por vez, em um acontecimento importante ou reflexivo por vez.
Prefira fragmentação. Cada personagem tem sua vida própria, ainda que outros também participem dela.
Utilize narração microscópica. Detalhes fazem o todo, que fica a cargo do leitor. Histórias como pistas para investigação.
Use palavras significativas, mesmo que não sejam comuns no contexto. Priorize o imaginário e o visual acima de realismo objetivo.
Sua história é uma manta de retalhos, a teia de Arakhné. Um labirinto em que o objetivo é se perder.
Não leia de tudo. Não leia coisas parecidas com o que você quer escrever. Não leia coisas diferentes. Não leia porque outros leram. Não leia porque é tal obra é importante para o gênero. Leia se quiser, quando quiser, o que quiser.