Clausewitz como pensador político – parte 2

(Tradução para estudos de Poder e Estado)

Por Carl Schmitt, Plettenberg

5. Fichte, o filósofo da inimizade contra Napoleão

“Não pode haver dúvida de que aqui (isto é, no memorial de confissão de Clausewitz) os discursos de Fichte à nação alemã serviram de modelo2”. Fichte moldou o espírito das Guerras de Libertação Alemãs contra Napoleão, pelo menos no que diz respeito à Prússia. Com isso, ele teve um duplo efeito: conferiu à inimizade alemã contra Napoleão a reivindicação de uma legitimidade nacional-revolucionária e, ao mesmo tempo, concedeu ao renascido Estado prussiano a consagração espiritual do princípio protestante, em uma continuidade moderna da Reforma. Assim, ele “fundiu a Prússia com a Reforma por meio da filosofia do idealismo alemão3”. Ambos elementos – a legitimidade nacional-revolucionária e o princípio protestante – tornaram-se, no renascido Estado prussiano, por um instante, inseparáveis no curso da história; mas também se transformaram em um destino para o posterior Estado nacional alemão do século XIX, cuja orientação foi determinada pela Prússia.

a) Comecemos com o primeiro elemento dessa amalgamação, com a legitimidade nacional-revolucionária. Para uma imagem completa da Alemanha nos anos de 1807/12, é necessária uma comparação crítico-sinóptica entre a admiração de Napoleão por Hegel e a hostilidade de Fichte contra Napoleão. Entretanto, essa análise ultrapassaria o escopo de nossas observações e deve, portanto, ser deixada de lado, assim como as relações de Fichte com Goethe e sua amizade com Johannes von Müller, entusiasta de Napoleão. No contexto de Clausewitz, o que importa é apenas a influência decisiva de Fichte.

A literatura filosófica, histórica e geral sobre Fichte tornou-se praticamente imensurável, e suas interpretações e avaliações são frequentemente tão contraditórias quanto o próprio pensador, que oscilava entre extremos como liberdade e coerção, indivíduo e nação, nação e humanidade. O livro de Bernhard Willms, A Liberdade Total, contém descrições fascinantes dessa constante inversão de extremos e mostra que o Estado Comercial Fechado de Fichte – que, segundo Willms, expressa a verdadeira teoria política do filósofo – configura uma sociedade total, onde a humanidade deveria encontrar sua liberdade absoluta após a erradicação de toda coerção contrária à liberdade por meio de uma polícia onipresente.

Essa visão, no entanto, não tem mais relação com Clausewitz. Contudo, ela permite distinguir a peculiaridade da hostilidade de Clausewitz em relação a Napoleão, que era de natureza política, da inimizade ideológica do filósofo Fichte. Willms não menciona Clausewitz nem a pequena elite do poder prussiano, derrotada por Napoleão, mas que, emergindo da derrota, encontrou em Königsberg e Berlim um ponto de contato com a filosofia do idealismo alemão.

Ao evidenciar a oscilação entre os extremos, Willms não apenas esclarece as contradições abstratas da liberdade absoluta do eu, que inicialmente se apresenta de maneira intransigente, mas acaba sendo totalmente absorvido, reencontrando-se em interdependência e intersubjetividade, até culminar em uma fusão entre humanidade e nação, na qual, apesar de sua liberdade absoluta inalienável, acaba sendo plenamente integrado. Willms também aponta os muitos inimigos concretos (ele os chama de “oponentes”) do jovem Fichte – além dos príncipes, da nobreza, da Igreja e dos judeus, também o exército (p. 28).

A partir de 1807, surge então a grande figura do inimigo de Fichte em sua fase tardia: Napoleão. Toda a hostilidade de que um filósofo revolucionário era capaz concentrou-se agora na figura do imperador francês, que para ele se tornou a personificação do adversário.

Napoleão despertou contra si uma gigantesca coalizão de inimigos e, no final, sucumbiu a ela. Esses inimigos eram tão heterogêneos entre si que, a partir da comparação de seus diferentes tipos, seria possível desenvolver uma verdadeira fenomenologia da inimizade: terra e mar, Oriente e Ocidente, conservadores e liberais, clérigos e jacobinos se uniram em uma frente contra esse único homem.

A frente literária incluía nomes como Joseph de Maistre e Benjamin Constant, Ernst Moritz Arndt e Joseph Görres4, Heinrich von Kleist e Friedrich Schlegel. Dois dos maiores admiradores de Napoleão, que mantiveram o respeito por ele mesmo após sua derrota, contribuíram para a consolidação do mito: Goethe e Hegel.

Goethe criou a famosa demonização de Napoleão no quarto livro de sua autobiografia Poesia e Verdade, colocando-a sob o enigmático lema latino: nemo contra deum nisi deus ipse (“ninguém contra um deus, exceto o próprio deus”)5.

Hegel viu a grandeza de Napoleão no fato de que ele só poderia ser derrotado por um inimigo gerado por ele próprio.

Fichte é o verdadeiro filósofo da inimizade contra Napoleão; pode-se dizer que ele o é em sua própria existência como filósofo. Sua postura em relação a Napoleão representa o caso paradigmático de um tipo muito específico de inimizade: seu inimigo, Napoleão, o tirano, o opressor e déspota, o homem que “fundaria uma nova religião se não tivesse outro pretexto para subjugar o mundo” — esse inimigo é, para Fichte, sua “própria questão tomada como figura”, um não-eu criado pelo seu eu, como uma imagem oposta em um processo de autoalienação ideológica. Goethe percebeu isso claramente; uma anotação em seu diário, datada de 8 de agosto de 1806, afirma: “A doutrina de Fichte reencontrada nos atos e procedimentos de Napoleão”6.

O ímpeto nacional-revolucionário de Fichte gerou uma vasta literatura. No entanto, ele não penetrou profundamente na consciência geral dos alemães. A inquietante ideia de uma legitimidade nacional-revolucionária dissipou-se rapidamente após a derrota de Napoleão e o desaparecimento do inimigo comum. No século XIX, os alemães — protestantes e católicos, francófilos e antifranceses — acabaram se unindo em torno de uma forma ambígua de legitimidade nacional-dinástica, que, por sua vez, só existia sob a condição, mais ou menos explícita, de uma guerra vitoriosa em duas frentes, entre Ocidente e Oriente. Ainda assim, o breve momento desse contato nacional-revolucionário, concentrado nos reformadores militares prussianos entre 1807 e 1812, foi suficiente para impor, tanto à Prússia quanto à Alemanha, uma decisão clara contra Napoleão, com consequências para toda a Europa continental do século XIX — e, nesse sentido, também contra o Ocidente.

Napoleão não podia retribuir a inimizade do filósofo prussiano Fichte, pelo menos não no mesmo nível. Entre 1808 e 1812, crescia no imperador dos franceses o desejo de conquistar os alemães — e não apenas os príncipes da Confederação do Reno — como aliados para si e para seu império. A necessidade de amizade do imperador aumentava paralelamente à crise crescente de seu sistema de poder na Europa continental e de sua base política interna na França. Esse desejo se intensificava à medida que a guerra com a Rússia se tornava inevitável. Da mesma forma, o dinasta neolegítimo Bonaparte passou a relembrar sua própria origem na legitimidade nacional-revolucionária, que nada tinha a ver com herança dinástica, casamentos principescos ou tradições feudais. A consagração dessa legitimidade revolucionária viera a esse governante plebeu e plebiscitário de um lado oposto: da filosofia do Iluminismo e de suas ideias de liberdade, progresso e razão. A autocompreensão e a autoconsciência de Napoleão baseavam-se na convicção de que ele se encontrava à frente dessas ideias revolucionárias.

Nenhum concordato com Roma, nenhum casamento com uma Habsburga poderia, para um parvenu neodinástico, suprimir ou apagar seu vínculo com essa origem. Assim que esse filho natural da Revolução sentia o menor sinal de inimizade que não derivasse da velha legitimidade hereditária e dinástica, mas sim de uma nova consciência filosófica que se lhe opunha, sua própria consciência se contraía, restando-lhe apenas a afirmação cega do poder. Para ele, os espanhóis eram fanáticos supersticiosos; os russos, citas bárbaros; os alemães, gente honrada e trabalhadora. Mas o que eram e o que queriam esses prussianos que, na primavera de 1813, entraram em guerra contra ele a leste do Elba? Para eles, Napoleão só encontrou explosões de indignação moral por sua ingratidão, apenas acessos de fúria nos quais se culpava por não ter esmagado o Estado prussiano a tempo, como seriamente cogitara no inverno de 1809/10, após a guerra com a Áustria. Desesperado, lançou em rosto aos alemães: “Vocês, alemães, sabem o que é uma revolução? Vocês não sabem, mas eu sei!” (a 26 de abril de 1813, ao chanceler de Weimar, Friedrich von Müller). A consciência da liberdade na filosofia do idealismo alemão e a filosofia revolucionária de Fichte consideravam-se superiores ao Iluminismo francês do século XVIII e incluíam até mesmo Frederico, o Grande, nesse sentimento de superioridade. Foi Fichte quem se vangloriou: “Nós entenderemos Rousseau melhor do que ele mesmo se entendeu.”

Aos olhos críticos desse novo inimigo, o imperialismo napoleônico, com sua acumulação de coroas sobre as cabeças de uma nova linhagem e suas legitimidades que se desautorizavam mutuamente, não passava de um absurdo insustentável, uma traição às grandes ideias da Revolução, um aproveitamento descarado de todos os títulos jurídicos — antigos e novos — que circulavam na Europa. Na pessoa do próprio governante, já havia se concentrado tanto poder que ele não pôde mais se dar plena conta desse novo inimigo. Mas isso não alterava o fato de que, da Prússia, uma filosofia revolucionária confrontava o ex-revolucionário e reivindicava para si não apenas um entendimento superior de Rousseau, mas também da Revolução e de seu próprio filho, melhor do que ambos poderiam compreender a si mesmos.

Assim, o imperialismo napoleônico recebeu uma resposta que não poderia ter vindo nem da Espanha, nem da Áustria, tampouco da Rússia, muito menos da Inglaterra — uma resposta que escapou à consciência do imperador. Por um breve instante, pareceu que o espírito do mundo havia tomado residência em Berlim. Napoleão acreditava ter encerrado a Revolução Francesa. Na realidade, ocorria o oposto: a Revolução Francesa não havia se encerrado — nem em Napoleão, nem por meio dele. A legitimidade revolucionária se fundiu com a legitimidade nacional, que foi forte o suficiente para até mesmo reivindicar a glória de Napoleão para si, mas que, como legitimidade nacional, já não era capaz de legitimar um imperialismo francês — sobretudo diante das demais nações do continente europeu.

O nacionalismo francês, em sua força, forçou os povos vizinhos a se voltarem para sua própria identidade nacional e a testar sua própria legitimidade nacional. Tanto os espanhóis quanto os alemães só se tornaram nações europeias no sentido moderno do termo ao enfrentarem o nacionalismo francês. Em todo caso, essas disputas muitas vezes amargas na Europa continental demonstraram que a França, por meio de sua Revolução, se tornara o modelo do conceito de nação e havia criado, pela primeira vez, o tipo de legitimidade nacional. O experimento prussiano-alemão não foi bem-sucedido, mas foi forte o bastante para derrotar o bonapartismo do Primeiro e do Segundo Império francês — este último (em 1870), aliás, sem qualquer ajuda estrangeira, apenas por sua própria força nacional.

b) Vamos dar uma olhada também no segundo elemento, além do nacional-revolucionário, que moldou o Estado prussiano nascido em 1807/12: o princípio protestante. O Estado prussiano, que se ergueu da derrota dos anos de 1806/7, foi, no local e no momento de seu renascimento, protestante. A piedade das antigas províncias era protestante; o mundo emocional do pietismo, a filosofia do idealismo alemão e a educação das novas camadas burguesas nunca esqueceram e nunca negaram sua origem na Reforma protestante. O protestantismo de Fichte é diferente do de Hegel; ele é, assim como a filosofia política de Fichte, revolucionário. Mas, após a vitória sobre Napoleão, não foi a filosofia do inimigo de Napoleão, Fichte, mas a interpretação “intermediadora” do admirador de Napoleão, Hegel, que tentou determinar filosoficamente o princípio protestante para a Prússia. Em 1830, no ano da morte de Gneisenau e Clausewitz, no fim da grande era do espírito alemão, esse princípio protestante foi formulado e proclamado com plena consciência histórico-filosófica por Hegel. O muito discutido pronunciamento filosófico-histórico de Hegel aparece em um apêndice à 3ª edição de sua Enciclopédia das Ciências Filosóficas (Lasson, p. 469) e diz:

É apenas uma tolice da época moderna prestar atenção a um sistema de moralidade corrompida, cujas constituições estatais e legislações, sem alteração da religião, produziram uma revolução sem reforma.

Isso se dirige – assim como as respectivas enunciações de Hegel em suas palestras sobre a Filosofia da História – de maneira superior aos povos românicos e católicos da Europa, a França, Itália e Espanha, e contra o seu, para Hegel, falso liberalismo e constitucionalismo. A questão sobre o que exatamente foi a própria Reforma Protestante, se ela também não poderia ser chamada de Revolução, não é levantada e, em todo caso, não é pensada até o fim; o fato de que o Leviatã de Thomas Hobbes concretiza a Reforma, que se consumou por meio de uma revolução sangrenta, não chegou à consciência do filósofo da história Hegel, que, de resto, era um bom conhecedor de Hobbes. O pronunciamento de Hegel de 1830 poderia ser interpretado facilmente no sentido de que a reforma territorial e senhorial dos alemães já havia realizado tudo de essencial, e seus filósofos poderiam, agora, com consciência tranquila, observar o voo da coruja de Minerva como augúrios, sem se lançar na suja realidade de uma revolução.

Enquanto isso, a Prússia “entre reforma e revolução” (cf. o título do livro de Reinhart Koselleck citado acima) levantou a questão filosófica da relação entre teoria e prática com toda a intensidade. Para o próprio Hegel, teoria e prática se combinam no processo do espírito emancipatório. Os hegelianos de direita mediam e conciliavam a “revolução pela reforma permanente” e a “regeneração constante”. A essa “relaxamento do princípio protestante”, os hegelianos de esquerda opuseram sua crítica. Crítica significava para eles essencialmente a mediação pragmática entre teoria e prática. A crítica pura de Bruno Bauer foi equivalente à revolução, mas permaneceu individualista e anti-massas, e portanto uma mera “teoria”7. Contra ambas – o puro reformismo e a pura teoria – opõe-se a impaciente sentença do jovem Karl Marx: “Os alemães pensaram na política o que os outros povos fizeram.”

O que os alemães deveriam ter feito diante de Napoleão? Deveriam ter aceito sua oferta de poupar-lhes a revolução ou não? Pode um grande povo se poupar de sua própria revolução simplesmente se submetendo ao conquistador de uma revolução estrangeira? E se a revolução não pode ser poupada a um povo, então faz sentido exigir uma revolução por princípio, uma revolução a todo custo, uma revolução apenas pela revolução em si? Isso seria uma ética de revolucionários profissionais; ela poderia, de forma razoável, ter sentido e validade apenas para um povo de revolucionários profissionais. Para qualquer outro povo, ela resultaria apenas em um triste esforço. Lembremo-nos da observação citada acima de Boyens sobre o manifesto de fé de Clausewitz e da sentença criticada ali: “O alemão não é um espanhol!” Os espanhóis também não são um povo de revolucionários profissionais; eles também não foram isso diante de Napoleão.

Então, o que os alemães deveriam ter feito diante de Napoleão? A filosofia da história do antigo admirador de Napoleão, Hegel, é, como mostrou Joachim Ritter, uma filosofia da mediação. Muitas vezes, ela se aproxima da paciência olímpica do antigo admirador de Napoleão, Goethe, que (em sua clássica Noite de Walpurgis) acalma a teoria da violência, que lhe é antipática, com o versículo paciente:

Fique tranquilo, isso é apenas pensado.

A justificação ideológica de Napoleão por Hegel chega até Heinrich Heine e Karl Marx, enquanto para Moses Hess, o “desenvolvimento positivo da liberdade” começou justamente com Fichte e terminou com Hegel. Fichte não pode ser descartado com aquela frase do jovem Marx. Fichte pensou radicalmente até o fim o que os franceses haviam começado em sua prática política. Claro, apenas pensou; isso é verdade. Diante de algumas declarações de seu radicalismo teórico, no entanto, lembramo-nos com horror da possibilidade de que um dia tais pensamentos pudessem ser levados a sério de maneira prática. Ou seria encontrado um descompasso entre teoria e prática em Fichte justamente no fato de ele ter se decidido contra Napoleão, e não a favor? E como fica Clausewitz, cuja declaração de fé de 1812 teve Fichte como padrinho? Clausewitz, como inimigo de Napoleão, se tornou o criador de uma teoria política da guerra. Ele pensou o que ele e seus amigos fizeram. Só por isso sua teoria é genuína, e como teoria genuína, ela pôde transcender os limites de sua origem histórica e continuar a influenciar, até mesmo na doutrina e na prática de revolucionários mundiais como Lenin e Mao.

6. Clausewitz como pensador político.

O filósofo Fichte foi o padrinho da declaração de fé de 1812 com seus discursos à nação alemã. Ele forneceu à elite de poder prussiana dos anos de 1807/12 fortes energias morais e intelectuais em sua luta contra Napoleão. No ponto decisivo, no entanto, na determinação da inimizade concreta, os reformadores do exército prussiano se deixaram guiar apenas por considerações políticas. Eles não eram fundadores de religiões, nem teólogos, nem ideólogos, nem utopistas. O livro Da Guerra não foi escrito por um filósofo, mas por um oficial do Estado-Maior prussiano, que desenvolveu sua doutrina de “guerra como continuação da política” até suas últimas consequências e impactos no mundo. Este livro pode ser lido, compreendido e praticado por qualquer político inteligente, sem que precise saber nada sobre Fichte e sua filosofia. A independência das categorias do político aqui se torna evidente. Também não é de forma alguma o caso de que Fichte seja a teoria e Clausewitz a prática. Em Clausewitz, as categorias políticas se impõem em sua pureza, livres de todas as expansões ideológicas e utópicas do genial filósofo Fichte.

O sociólogo francês Julien Freund, aluno de Raymond Aron, trabalha com as categorias da sociologia de Max Weber, observando que ele traduz “valor imparcial” como neutralité axiologique. Sua obra sistemática A Essência do Político usa a distinção entre amigo e inimigo não como “critério” (como ocorre em meu Conceito do Político), mas como uma de três “pré-suposições”, ou seja, três pares de conceitos que significam condições essenciais, pré-condições da possibilidade do Político: Comando – Obediência, Público – Privado, Amigo – Inimigo. A dialética de cada um desses três pares de conceitos é desenvolvida em uma construção sistemática admirável, com um grande material enciclopédico, para fundamentar a independência do Político em relação ao econômico, ao estético e ao moral.

No capítulo sobre a dialética do amigo e inimigo (p. 538-633), Clausewitz e seu conceito de guerra têm uma seção dedicada (§ 134, p. 590 e seguintes). Segundo ele, Clausewitz desenvolveu o (no sentido de Max Weber) tipo ideal da guerra de maneira definitiva, válida também para a era da ameaça termo-nuclear. J. Freund vê nisso uma prova da fundamentação científica do método sociológico de Max Weber. Não estamos aqui interessados em uma questão metodológica ou científica, mas em um importante insight que diz respeito ao pensador político Clausewitz. O sociólogo francês mostra que a doutrina “da guerra como continuação da política” torna o guerreiro puramente militar (ao qual é inerente a tendência ao uso ilimitado da violência) limitável justamente pela inserção na realidade do Político. Inimizade e guerra são inevitáveis; o que importa é a sua limitação, ou seja, a prevenção de uma liberação desumana dos meios de destruição do progresso científico. O objetivo da luta política é, segundo Julien Freund, não a destruição, mas a despolitização do inimigo. Mesmo em Clausewitz, a chamada “batalha de aniquilação” é pensada como uma medida das forças entre dois exércitos organizados e, portanto, tudo, menos uma destruição de uma parte da humanidade em nome da humanidade por outra parte.

No livro de Julien Freund sobre a Essence du Politique, Fichte não é utilizado como exemplo. A abundância de evidências e ilustrações desse livro é tão rica que o autor não precisou do caso de Fichte como paradigma. Para nossa análise do pensador político Clausewitz, foi necessário fazer uma clara distinção entre a ideologia da inimizade a Napoleão de Fichte e a inimizade política de Clausewitz, a fim de captar um pensador político em sua particularidade e independência. A unidade política na qual Clausewitz pensa é e continua sendo o Estado, ou seja, o seu próprio Estado concretamente existente. A teoria política de Fichte encontra, como Bernard Willms mostrou, sua expressão no “estado comercial fechado”, que não é um Estado, mas uma sociedade, e uma sociedade total. As categorias de Fichte são: o Eu, a Sociedade, a Nação, o Império e a Humanidade. O Estado, para ele, é um meio para um fim e uma instituição coercitiva. Partidos políticos, no sentido de uma constituição liberal ou democrática, naquela época, só eram reconhecíveis em contornos fracos8. Pensar politicamente a partir de um partido revolucionário de classe internacional não poderia ter ocorrido nem a Fichte, nem a Hegel, nem a Clausewitz.

Já citamos a frase de que “Prússia se tornou para Fichte a pátria e o destino”. A frase está correta. No entanto, seria impossível definir Fichte como um prussiano. Clausewitz, por outro lado, é um prussiano puro em toda a sua existência, não apenas por sua origem e não apenas como oficial prussiano. Ele pertence à pequena e intensa elite de poder que, nos anos de 1807/12, regenerou com sucesso o estado militar prussiano totalmente derrotado, a ponto de permitir que ele competisse com o rápido desenvolvimento industrial do século XIX. Para o que se deve entender sob o nome polêmico de Prússia, mas também para o que restou e continua a ter influência após os vencedores da Segunda Guerra Mundial terem riscado essa Prússia, Clausewitz é mais significativo do que muitos outros, cujos nomes hoje são invocados para salvar a honra da Prússia.

Na ligação existencial com o estado militar continental da Prússia, há uma limitação, por assim dizer, da visão política de Clausewitz. Seu livro Da Guerra se concentra exclusivamente na guerra terrestre; o grande mundo dos oceanos e das guerras navais, com seus próprios conceitos de inimigo, guerra e despojos, é completamente ignorado. O oficial do estado-maior prussiano pensa e argumenta, necessariamente, a partir da situação de seu próprio estado, a partir da limitação de uma potência militar continental presa entre grandes potências continentais, que nunca foi autossuficiente, sempre precisando de alianças, sempre sem grandes chances de sobrevivência em caso de necessidade, sempre na situação de uma alternativa: subir ou cair, vencer ou ser derrotado, sendo que cada grande vitória apenas intensificava e aprofundava a necessidade de ascensão, até que, finalmente, a corrida contra o progresso industrial forçou o digno estado militar continental ao “golpe em direção ao poder mundial” e o lançou na catástrofe. Não surgiu de Prússia-Alemanha um Clausewitz da guerra naval.

Essa limitação levou, neste caso, à concretude do pensamento, e isso conferiu à teoria da guerra resultante dela um sucesso inesperado. Nenhum prognosticador, nenhum profeta do século XIX poderia ter previsto que essa teoria, nascida da limitação prussiana, fosse entrar na grande prática geopolítica do século XX. Entretanto, os vencedores da Segunda Guerra Mundial deram a Prússia o golpe final, de modo que Clausewitz é agora quase não tocado pela antiga e amplamente disseminada hostilidade contra a Prússia. No entanto, já existem historiadores que consideram seu atual renome mundial politicamente suspeito, pois profissionais revolucionários como Lenin e Mao desempenharam um papel importante na criação desse renome mundial.

Que um pensador político seja envolvido na hostilidade das frentes de combate é algo intrínseco ao conceito de Político. Este perigo não é eliminado ou atenuado pelo pensamento correto, mas sim intensificado e exacerbado. Le combat spirituel est plus brutal que la bataille des hommes. Isso não foi alterado pelo ideal de 'neutralidade de valor' científica. Uma categoria como 'neutralidade de valor' só pode falhar em captar a verdade e a realidade do Político, porque a filosofia de valores transforma o amigo político em um simples 'valor' e o inimigo político em um 'desvalor'. A problemática da chamada 'neutralidade de valor nas ciências sociais' não será abordada aqui. Limitar-nos-emos, ao final, a uma ênfase nas qualidades científicas das publicações que utilizamos, e estamos especialmente certos de que qualquer usuário do primeiro volume de documentos da edição de Hahlweg aguardará com expectativa o próximo volume anunciado.

Notas de Rodapé

2

Wilhelm Wagner, Os reformadores prussianos e a filosofia contemporânea, Colônia, 1956 (um ensaio originalmente escrito em 1922, premiado na época pela Sociedade Kantiana), p. 144. Além disso, consulte também o terceiro capítulo (Situação temporal dos discursos e crítica da época) em Arnold Gehlen, Germanidade e Cristianismo, Berlim, 1935, e Bernard Willms, A liberdade total: A filosofia política de Fichte, Colônia e Opladen, 1967, p. 136. Dieter Bergner, em Novas observações sobre a posição de J. G. Fichte em relação à questão nacional, Berlim, 1957, p. 45 e seguintes, observa acertadamente que a Prússia, desde 1800, tornou-se para Fichte "pátria e destino"; ele explicava a arrogância nacional e a "interpretação prussófila" como reflexo do subdesenvolvimento da classe burguesa na Alemanha daquela época. O livro de Xavier Léon, Fichte et son temps, como Bernard Willms corretamente destaca, continua sendo "indispensável para a pesquisa sobre Fichte devido à riqueza de seus detalhes profundos". Interessa-nos aqui, em particular, a parte 11 do segundo volume, La lutte pour l'affranchissement national 1806-1813 (Paris, 1927). Fichte foi, ao longo de mais de um século, uma figura intensamente controversa nos debates nacionalistas entre franceses e alemães. Tanto mais surpreendente, portanto, é a completa objetividade do livro de X. Léon; nada escapa à sua erudita atenção, nem a carta de Königsberg do capitão Clausewitz a Fichte sobre Maquiavel, nem os detalhes da amizade com Johannes von Müller. Resta apenas lamentar que essa grandiosa obra tenha permanecido desconhecida para Hugo Ball.

3

A expressão encontra-se em Hugo Ball, Die Flucht aus der Zeit, com um prefácio de Hermann Hesse, Munique, 1931, p. 234, na anotação de 31 de julho de 1918. Ball subestimou o significado político-teológico do jus reformandi e não reconheceu a Reforma como completada por meio do Leviatã de Hobbes; como consequência, também não compreendeu a citação que ele próprio reproduziu de Barbey d'Aurevilly, que considerava o Leviatã de Hobbes e Du Pape de Joseph de Maistre os dois livros mais importantes da era moderna. Sobre o tema "A Reforma Consumada", veja Der Staat 4 (1965), p. 51 e seguintes.

4

Clausewitz cunhou a expressão "stockdemokratisch" como resposta ao insulto "Stockpreuße" dirigido a Görres; ele considera os escritos de Görres "paixão ardente devorada pela ânsia de dominação democrática". Sobre isso, veja a importante observação em Reinhart Koselleck, Preußen zwischen Reform und Revolution, Industrielle Gesellschaft, vol. 7, Stuttgart, 1967, Ernst Klett Verlag, p. 297 e p. 641.

5

A questão sobre a origem e o significado desse lema foi levantada pela primeira vez após 1945 por Adolf Grabowski (Trivium, ano III, fascículo 4) e, posteriormente, discutida em uma série de artigos no Goethe-Jahrbuch da Goethe-Gesellschaft. Eduard Spranger (Goethe-Jahrbuch XI, 1949) supõe que Goethe ou Riemer tenham cunhado a expressão e a tenham considerado antiga, atribuindo sua origem aos Apophthegmata de Zincgref. Dentre as várias tentativas de interpretação subsequentes no Goethe-Jahrbuch (por Christian Janentzky, Siegfried Scheibe e Momme Mommsen), interessa-nos especialmente a de M. Mommsen no volume XIII, pp. 86–104, devido à sua relação com Napoleão. Mommsen também cita (p. 99) a anotação no diário de Goethe mencionada anteriormente no texto, sobre Fichte e Napoleão, de agosto de 1806.

6

Cf. nota 9. B. Willms cita (op. cit., p. 156, nota 709) uma observação de Friedrich Meinecke, a quem ocorreu a ideia de que a imagem da nação em Fichte talvez fosse apenas uma extensão do próprio filósofo Fichte. No entanto, o historiador rejeita imediatamente essa ideia como uma “interpretação mesquinha”. Meinecke, porém, não menciona a possibilidade de que o inimigo Napoleão pudesse ser a própria questão de Fichte.

7

Hans-Martin Sass, Emanzipation der Freiheit. Hegels Rechtsphilosophie als Strategie pragmatischer Politik- und Rechtskritik, ARSP, LIII (1967), p. 257 e seguintes, especialmente p. 254: a Revolução Francesa (segundo Hegel) não superou a Reforma; ela ressalta a necessidade da emancipação da consciência protestante como a reconciliação entre consciência e direito. Sobre Bruno Bauer e Moses Hess, veja a 2ª e a 3ª parte do livro de Horst Stuke, Die Philosophie der Tat (Sociedade Industrial, vol. 3, Stuttgart 1963).

8

"As camadas sociais ainda divididas por ordens ganharam os contornos de partidos: menos no sentido de uma organização ou até mesmo de acordos supra-regionais, mas no sentido de correntes políticas. Por trás delas, e além da barulhenta associação estudantil, surgiam grupos comerciais, econômicos, e, acima de tudo, antigos grupos de ordem, que com suas exigências constitucionais entravam em conflito com a administração e, portanto, com o bem comum, como a administração o entendia." Assim, Reinhart Koselleck, Preußen zwischen Reform und Revolution, 1967, p. 297.