enricaus.

coleção de rodas samsáricas.

prisão de liberdade máxima. ferradura em arame farpado. dois extremos conectados, dor intermunicipal.

negar, aceitar. se render, libertar. pedaço do céu sulfúrico.

tantos motivos pra sorrir, você me faz sorrir. nenhum motivo pra chorar, sou eu quem me faz chorar.

barco em movimento no mar, quem se move sou eu. paisagem em movimento, quem se movimenta sou eu.

que nenhum astrolábio decida o caminho pra minha própria humanidade. que nenhum subjuntivo me dê esperança em sentir medo.

quem se se amedronta sou eu.

feridas compartilhadas, projeção de feridas apenas minhas. não se importar é se importar demais.

agonia de monstros invisíveis transpassando a garganta. quem se cala sou eu, quem se fecha sou eu.

tudo que eu queria era ser bom pra você.

nada jamais se adere a mim. eu não me adequo a nada. adepto ou não-adepto, ser ainda é ser.

eu não quero me encontrar. eu não quero pertencer.

falar sobre não-ser ainda é falar sobre ser.

iconoclastia, insubmissão. antiaderência, agitação serena. blasfêmia herege, desprezo à salvação.

mosaico de alma material.

Movimento e Necessidade são a mesma coisa.

por que as coisas são assim? por Movimento.

por que uma consciência una se transformaria em multiplicidade? por Necessidade de movimento.

o Movimento é necessário. a Necessidade é necessidade de movimento.

eu sou uma anomalia neste mundo de aço. plástico artificial em combustão. e mesmo assim você, das suas praias afrodisíacas, ainda gasta seu tempo caindo ao refúgio dos afogados.

você pra mim é um paradigma.

teria eu uma natureza cheia de vida da qual eu julgo toda morta, ou você uma natureza de amor pelas naturezas-mortas?

no balançar da minha pressão eu sinto em corpo o que tenho tanto sentido em alma. estou em constante delírio com as coisas reais, e não sei ainda ao certo se isto delas me aproxima ou afasta.

eu sou desespero, e a desesperança para com todas as coisas reais é a minha salvação.

sentimentos implantados. plutomanias trancendentais. consciências vazias transbordando informação.

eu quero me extinguir.

rapsódicas boemias nos caules da minha pele tentam escapar pelos esporos dos meus amores incompletos.

romeu e don juan no meu peito se conectam. amantes desconexos, incomunicações sentimentais.

duas partes se unem e a vida assim surge. o tempo e as circunstâncias dilaceram.

o que há para se ver nas terras dos mal-aventurados? intercursos sexuais, anonimatos emocionais?

episódicos atritos entre a minha sede de ser ar e minha falta de ser mar.

pelo meu corpo de ar transpassam as pessoas da rua. organismos que, ao ocuparem o mesmo espaço visível, tornam-se ambos invisíveis um ao outro.

o benefício de se camuflar diante de qualquer paisagem é a capacidade de vislumbrar os observadores. é necessário ser esquecido para lembrar do abismo que existe entre as nossas consciências.

solidão não é apenas indiferença. solidão é a ausença de quaisquer diferenças entre eu e você. [o salto mortal de um ser universal acontece pela sua necessidade de experienciar a multiplicidade]

unidade é solidão.

muito tempo na minha masmorra de concreto, pouco tempo na superfície da realidade. só nos tornamos completamente sozinhos quando as estrelas se tornam tão próximas.

solidão é a completa ausência de atenção.

-eu te vejo.

ser amado é ser percebido.

talvez eu não estivesse no momento certo no lugar certo de um passado concreto pra esbarrar meus ombros nos seus.

talvez eu não tivesse estado perto de uma roda aberta de amigos, alerto pra te conhecer. primeiro.

talvez eu não tivesse te conhecido primeiro se eu não tivesse, assim desordenadamente, te conhecido.

a ordem dos fatores do caos do cotidiano comum não altera o resultado. mas porque, no final desse cálculo sarcástico, eu não pude, com o tempo que se passa entre os beijos e os abraços desfrutar o seu sarcasmo?

é preciso tempo pra ter tempo.

e eu estou aqui, contemplando o silêncio infértil de não correr o risco de te perder.

quem decide de quem você é se não você? você quem é.

eu estaria me perguntando a mesma sequência de coisas se o movimento tivesse sido o contrário? o seu nome seria uma variável em que no conteúdo eu preencheria o nome de quem eu conheci primeiro?

será que assim, desse modo, as coisas, diferentes, seriam exatamente iguais?

conhecido ninguém, ninguém sou eu. pensamentos de praias rasas. lamentos de noites pacíficas demais.

o que as pessoas se esquecem é que o futuro é tão inalterável quanto o passado. destino é um abismo de coragem. tempo contínuo é um abismo de entendimento.

e eu não aceito isso. eu amo isso.

porque apenas aqui, neste momento certo de espaço compartilhado certo nos contornos e formas incertas dessa memória absolutamente incompleta, eu encontro a carne.

das futuras peles nunca tocarei a sua. por isso basta, em um instante de contato visual, talvez por incoerência minha ou talvez justamente pela coerência dos meus sentimentos, desfrutar a aproximação dos seus olhos.

nos seus olhos eu encontro o seu calor.

em todas as coisas do mundo, devaneio. em todos os cantos do meu habitat, precipícios e mofo. em todas as canções do mundo, nenhuma memória particular. viver e não viver parecem muito semelhantes pra mim.

eu tenho privilégios demais.

aquecido pelo calor de um abraço virtual, me desconecto da minha humanidade anterior. não me encanta o brilho da sua alma, por mais orvalhar que ela neve do céu. você me entende?

dentro de mim saturno gira seu anéis e ultrapasso, na velocidade do tempo, a luz.

estou para além do espaço das coisas visíveis, dos nossos corpos de faíscas estelares e sinapses de sofrimento contínuo. eu antes era, e ainda agora não sou aquilo que algum dia sonhei em não ser, porque continuo sendo. a gravidade me enraíza nessa realidade pálida e, apático, respiro esse ar de nenhuma ressurreição.

pedir a minha paciência é implorar pela minha redenção.

pássaro negro, se entorpece do ar da atmosfera e explode em supernova. vou destruir seu mundo de ideias e depois me apossar do seu manto de maia. do meu manto de maia. do nosso manto de maia.

fogos de artifício, um artifício da natureza em uma pintura de natureza-morta.

eu não sou mais todos os sonhos do mundo, e nenhuma ambição permanecerá. apenas uma muito rígida disciplina em descumprir todos meus compromissos.

eu ainda sou e, portanto, não existo. eu existo e, portanto, ainda posso um dia não ser. aos que entrarem por aqui, percam todas as esperanças.

a liberdade vive naqueles que caem.

mil formas existem de se apaixonar por alguém. mil outras formas existem de se despedaçar por alguém. quantas vezes poderei sentir você amanhecer no meu peito?

eu não tenho escrito muito sobre amor. acho que é necessário sentir pra expressar. existe outra forma mais autêntica que um copo explodindo no chão? de raiva, corto minhas mãos com os cacos, e chamo isso de romance.

romances de vidro. se não quebram, derretem.

ailurus, acho que não tenho meditado tanto por você. me ajuda a encontrar uma desculpa que te satisfaça? eu tô sem tempo? mas tempo é tão maleável, você bem sabe disso. eu tô viciado em mentir? mas eu prometo que tenho tentado ser sincero. eu tô sempre bêbado? mas eu só bebo o que escrevo. eu tô perdido, e tentar se encontrar no meio de tanto desencontro é tão impossível. impossível?

nessa cidade, existe uma rosa de pálida agonia a me esperar. vou roubar seus versos e dizer que são meus. afinal, o que sou senão no espelho o seu reflexo?

despersonalização. portas da percepção. dois caminhos existem para se aniquilar, e eu sempre escolho à esquerda. é o lado da revolta, e o que eu sou senão inteiro raiva e ira?

mesmo calado, eu ainda existo. e existir é um puta ato político.

eu desejo que seu coração um dia se incendeie por alguém, como o meu que transborda por você. mesmo que suas luzes não me iluminem, e seu fogo queime outras paixões.

eu continuarei fascinado por esse seu sorriso tão doce, mesmo que um dia eu não tenha mais o privilégio de vê-lo. eu continuarei apaixonado por cada detalhe do seu rosto, mesmo que um dia eu não possa mais tocá-lo.

eu te olho com sentimentos, e minha maldição é sentir demais. seu beijo é presente, seu coração é futuro. nunca amei tanto o presente e nunca quis tanto ler o futuro.

céu de estrelas, sua pele é feita de lua. seu cabelo noturno tem cheiro de mirtilo e frutas vermelhas.

eu daria tudo pra mergulhar no seu corpo. você poderia me ter inteiro, mas eu entendo não querer. alguns romances se perdem no caminho e tá tudo bem.

rios correm pelo seus pulsos, e eu queria poder me inundar da vida que existe em você. mas como não sei nadar, me afogo na ressaca dos seus olhos.

e os meus olhos brilham por você, como vagalumes de noites azuis.